Adaptações de Obras Literárias para o Cinema


Desde a origem do cinema, as obras literárias (romances, contos, novelas, peças de teatro, crônicas, etc) têm fornecido uma enorme quantidade de material para a elaboração de filmes. Apesar disso, contudo, muito se tem debatido sobre a real possibilidade de se adaptar um texto literário para um meio eminentemente áudio-visual como o cinema. Em geral, adaptações literárias para o cinema são recebidas desfavoravelmente pela crítica e pelo público que já tenha lido as obras adaptadas. As críticas e comentários negativos costumam enfatizar que as versões cinematográficas de livros são, fundamentalmente, traições aos seus originais literários; que elas não passam de interpretações ou releituras parciais feitas pelos diretores, freqüentemente repletas de omissões ou simplificações de trechos ou personagens das obras literárias.

Isto ocorre porque muitas pessoas costumam julgar a qualidade de um filme adaptado de um livro em termos de sua fidelidade à obra original, cobrando uma espécie de aderência completa do filme ao livro e criticando quando o diretor toma liberdades interpretativas ou faz alterações em elementos do texto. Há pelo menos dois problemas com este tipo de visão. O primeiro deles é o de que, como se costuma dizer, uma vez pronto, o livro deixa de pertencer ao seu autor e passa a pertencer aos seus leitores; ou seja, ele é passível de gerar diferentes leituras e interpretações em diferentes pessoas e a do diretor é apenas mais uma delas (a propósito, o mesmo pode ser dito dos filmes). O segundo, mais fundamental, decorre do fato de ser impossível converter uma obra literária, palavra por palavra, para um meio completamente diferente como o cinemático. Cinema e literatura pertencem a universos midiáticos diferentes, que utilizam elementos distintos para veicular suas mensagens: a palavra escrita, no caso da literatura, e a imagem em movimento, associada ou não ao som, no caso do cinema. Portanto, não há como evitar: adaptações literárias para o cinema devem, necessariamente, conter mudanças em relação às obras originais.

Talvez a melhor maneira de se julgar uma adaptação literária para o cinema seja, então, não pelo seu grau de fidelidade literal à obra original, mas por sua eficácia em adequar para um meio estética e formalmente diferente uma dada trama ou estória. É curioso notar que a maioria dos filmes considerados importantes e que foram adaptados de textos literários não é formada por adaptações de obras da chamada “grande literatura universal” (basta dar uma conferida nas inúmeras listas dos “melhores filmes de todos os tempos”), mas de livros quase desconhecidos de autores obscuros, de gêneros literários considerados “menores” (como o policial, o de mistério, o de terror ou o de ficção científica), ou de estórias curtas publicadas em revistas periódicas (as chamadas pulp fictions em inglês). Por causa disso, uma questão que é freqüentemente colocada quando se fala da relação entre cinema e literatura é a de se é realmente possível realizar uma obra-prima do cinema a partir de uma obra-prima da literatura.

O ciclo proposto pelo Cineclube do DFM para o primeiro semestre de 2008 trata de adaptações literárias para o cinema. A escolha dos filmes foi feita justamente visando propor um debate sobre a questão mencionada acima. Por causa disso, optou-se deliberadamente por deixar de fora adaptações de obras “de gênero” e de pulp fictions. Os fãs desses tipos de filmes não precisam se preocupar, entretanto, pois eles serão abordados em ciclos futuros por este Cineclube. Neste semestre, o foco do Cineclube cairá sobre adaptações de textos de alguns dos maiores escritores de todos os tempos, antigos e contemporâneos. Devido à sua qualidade artística, os filmes selecionados poderiam ser todos considerados clássicos da história do cinema, independentemente de serem ou não adaptações de livros. O fato de eles serem adaptações literárias – e de obras muito conhecidas e amadas –, possibilita, no entanto, a sua análise sob uma perspectiva diferente da dos demais filmes: a da fidelidade à obra original. Segundo este critério, os filmes selecionados já não podem ser colocados todos no mesmo patamar, pelo menos segundo as opiniões da crítica especializada. Alguns são considerados como excelentes exemplos de adaptações bem sucedidas, mas outros são considerados insatisfatórios ou até mesmo fracassos totais enquanto tentativas de transposição de um texto para a tela.


 

Programação:  

22/02/2008: Grandes Esperanças (1946). Diretor: David Lean. Adaptado do livro homônimo (1860-1861) de Charles Dickens.

29/02/2008: O Tambor (1979). Diretor: Volker Schlöndorff. Adaptado do livro homônimo (1956) de Günter Grass.

07/03/2008: O Senhor das Moscas* (1963). Diretor: Peter Brook. Adaptado do livro homônimo (1954) de William Golding.

14/03/2008: Diário de um Padre (1951). Diretor: Robert Bresson. Adaptado do livro Diário de Um Pároco de Aldeia (1936) de Georges Bernanos.

21/03/2008: Feriado: Sexta-Feira Santa

28/03/2008: Lolita (1962). Diretor: Stanley Kubrick. Adaptado do livro homônimo (1955) de Vladimir Nabokov.

04/04/2008: Morte em Veneza (1971). Diretor: Luchino Visconti. Adaptado do livro homônimo (1912) de Thomas Mann.  

11/04/2008: O Conformista (1970). Diretor: Bernardo Bertolucci. Adaptado do livro homônimo (1947) de Alberto Moravia.

18/04/2008: Lavoura Arcaica (2001). Diretor: Luis Fernando Carvalho. Adaptado do livro homônimo (1975) de Raduan Nassar.

25/04/2008: Macunaíma (1969). Diretor: Joaquim Pedro de Andrade. Adaptado do livro homônimo (1928) de Mário de Andrade.

02/05/2008: Feriado: Dia do Trabalho

09/05/2008: Robinson Crusoé (1954). Diretor: Luis Buñuel. Adaptado do livro homônimo (1719) de Daniel Defoe.

16/05/2008: Moby Dick (1956). Diretor: John Huston. Adaptado do livro homônimo (1851) de Herman Melville. 

23/05/2008: Feriado: Corpus Christi

30/05/2008: O Idiota** (1951). Diretor: Akira Kurosawa. Adaptado do livro homônimo (1868) de Fiódor Dostoievski.

06/06/2008: O Processo (1962). Diretor: Orson Welles. Adaptado do livro homônimo (1925) de Franz Kafka.

13/06/2008: Satiricon de Fellini (1969). Diretor: Federico Fellini. Adaptado do livro Satiricon (~60 d.C.) de Petrônio.

20/06/2008: Decameron (1971). Diretor: Pier Paolo Pasolini. Adaptado do livro homônimo (1349-52, revisada em 1370-71) de Giovanni Boccaccio.

27/06/2008: A Marquesa D’O (1976). Diretor: Eric Rohmer. Adaptado do livro homônimo (1808) de Heinrich von Kleist.

04/07/2008: Henrique V (1944). Diretor: Laurence Olivier. Adaptado da peça homônima (~1599) de William Shakespeare.

*Versão original em inglês com legendas em inglês.

**Versão original em japonês com legendas em inglês.

 

Para maiores detalhes e discussões sobre adaptações de obras literárias para o cinema, sugere-se as seguintes páginas+:

Adapt This: Fiction into Film

Charles Dickens on Film

Estudos de Literatura e Cinema

Filming Classic Fiction: 1927 to the present

Investigando Adaptações Literárias

Literary Adaptations of British Literature

Literatura, Cinema e Outras Mídias

O Cinema Vai à Literatura

Shakespeare on Screen

Volker Schlöndorf: o mestre das adaptações literárias

Wikipedia: Film Adaptation

 

+As páginas citadas estão longe de constituir uma lista exaustiva do que existe sobre o tema na internet. Elas podem ser consideradas apenas como um ponto de partida para buscas mais abrangentes e uma pesquisa mais aprofundada através de consultas à literatura especializada.

 

O Cineclube do DFM adverte: ver um filme baseado em um livro não substitui a leitura do próprio livro. Nossa sugestão é ler o livro e ver o filme.

Se você pensa em ver um filme baseado em um livro que julga que valha a pena ser lido, leia o livro primeiro. Nunca se pode ler um livro com a mesma responsividade imaginativa para com seu autor depois de se ter visto o filme. 

Pauline Kael, crítica de cinema norte-americana.